Gibis podem ser usados em sala de aula? Como?
Sim. As histórias em quadrinhos são boas ferramentas de incentivo à leitura, seja lá qual for a idade do leitor. A associação de textos e imagens torna o ato de ler mais atraente e os elementos gráficos (como os balões e as expressões faciais dos personagens) facilitam a compreensão da trama. Como abordam variados temas – aventuras espaciais, convivência entre animais etc. –, permitem que professores de diferentes áreas trabalhem com um amplo leque de informações. Enredos de ficção científica, por exemplo, podem ser o ponto de partida para o debate de assuntos relacionados à disciplina de Ciências. O importante para usá-los corretamente é criar a estratégia adequada, combinando as especificidades do conteúdo, o tema da história e as características dos estudantes (a faixa etária, o nível de conhecimento e a capacidade de compreensão).
Consultoria Alexandre Barbosa, mestre em Ciências da Comunicação, Paulo Ramos, editor do Blog dos Quadrinhos, e Waldomiro Vergueiro, coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da Universidade de São Paulo.
Aulas que estão nos Gibis
Ao criar histórias em quadrinhos, turma de alfabetização aprende a transmitir suas idéias utilizando o desenho e a palavra
As crianças desenharam seus personagens preferidos, como o Cascão, e pesquisaram os diferentes tipos de balão: trabalho para entender as variações da língua
Houve tempo em que levar revista em quadrinhos para a classe valia repreensão e castigo e o aluno ainda se arriscava a perder o gibi. Pois a professora Cynthia Nagy, do Colégio Mopyatã, na capital paulista, fez exatamente o contrário: usou o material preferido de seus alunos da pré-escola para animar suas aulas de Português e Educação Artística. "Enquanto eram alfabetizadas, as crianças aprenderam as características desse tipo de linguagem e, no final do ano, estavam desenhando e escrevendo histórias", relata Cynthia. "As revistas têm a particularidade de unir duas formas de expressão cultural: a literatura e as artes plásticas", analisa a professora.
Waldomiro Vergueiro, coordenador do Núcleo de Pesquisas em História em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), endossa as palavras de Cynthia. "Cada vez mais os produtos culturais se entrelaçam", afirma. No caso dos quadrinhos, o resultado é um veículo extremamente atraente para as crianças. "Por isso, considero bastante oportuna sua utilização em sala de aula", completa Waldomiro. Além disso, a experiência se enquadra tanto nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil quanto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Ambos falam da importância do trabalho com diferentes tipos de texto, entre eles os quadrinhos. De acordo com a consultora de Português Maria José Nóbrega, uma das elaboradoras dos PCN de 5ª a 8ª séries, entre as vantagens de utilizar esse recurso na alfabetização está a possibilidade de a turma ler textos só em letras maiúsculas. "Isso permite exercitar a autonomia da leitura recém-conquistada", justifica. Investigando os balões A experiência de Cynthia começou com o material de que ela dispunha em sala. Colocados num canto, os gibis estavam sempre ao alcance de seus 22 alunos. Quem não sabia ler escutava as histórias contadas por ela e pelos sete colegas já alfabetizados. As primeiras historinhas começaram a ser feitas depois de a classe conversar sobre as revistas preferidas. No princípio, os pequenos copiavam os desenhos das revistas com papel vegetal e mudavam apenas o texto. "Expliquei que essa foi a técnica utilizada pelos primeiros desenhistas no Brasil", conta Cynthia. Para Maria José, informações históricas como essa são importantes para que a criança conheça bem o gênero de linguagem com que está trabalhando. "Também é interessante mostrar à classe personagens desconhecidos", recomenda. Esse exercício fez parte da rotina das aulas de Cynthia. "Eu e as crianças procurávamos tiras nos jornais e colávamos as melhores num cartaz." A pesquisa foi uma constante no projeto. Um dos primeiros itens investigados pelos alunos foram os balões. As crianças recortaram das revistas vários tipos, como os de fala, pensamento, sonho, amor, grito, cochicho e uníssono. Em seguida, estudaram o que eles continham. Viram que, além de palavras comuns, traziam onomatopéias ou mesmo um simples desenho. "Tudo o que as crianças descobriam era socializado com os colegas nas discussões em roda", diz Cynthia. Nesta fábrica, a matéria-prima é a idéia Artistas mostram aos alunos como se faz um gibi Ao trabalhar com revistas na sala de aula deixe claro para seus alunos o seguinte: não é necessário fazer desenhos e textos maravilhosos. "Os quadrinhos têm uma linguagem própria e o mais importante é entender seus códigos", afirma Marcelo Campos, um dos quatro profissionais que cuidam da Fábrica de Quadrinhos, núcleo de produção e ensino dessa técnica localizado em São Paulo. Marcelo e seus companheiros visitam escolas e, em palestras de 30 minutos, descrevem as etapas envolvidas na confecção de um gibi. A base de qualquer tira, eles avisam, é a idéia. "O desafio é passá-la para o desenho, distribuindo a informação pelo espaço disponível." Os artistas dão uma aula prática sobre o processo de produção de uma revista. Primeiro, instigam a turma a criar os personagens. Depois, lançam um mote. Enquanto os alunos inventam a história coletivamente, os profissionais esboçam o desenho. "Sempre alertamos a turma para a necessidade de respeitar o perfil que eles mesmos deram aos personagens", diz Marcelo. As palestras, gratuitas na Grande São Paulo, são agendadas de acordo com a disponibilidade da equipe. Confira no quadro ao final da reportagem o telefone para informações. De frente, de costas e de perfil Na hora de escolher personagens para suas histórias, a turma ficou com os de Mauricio de Sousa. Em grupo, eles descreveram os principais integrantes da Turma da Mônica. Cynthia passou o que as crianças tinham escrito para cartazes, que eram consultados por todos na hora de criar as tiras. As técnicas de arte vieram em seguida. "Primeiro, eles desenharam os personagens de frente, de costas e de perfil, de acordo com a descrição feita anteriormente. Depois deram movimento às figuras, mostrando o andar, a corrida ou um pulo." Para estimular o processo de criação, vários exercícios se seguiram. A professora tirava cópias das histórias e apagava balões ou quadros inteiros, que eram refeitos pela turma. Outras vezes, ela distribuía uma história recortada para ser colocada em ordem. Após essa fase, Cynthia ensinou como transformar uma idéia em quadrinhos. "Eu lia um texto curto e repetia, trecho por trecho, para que as alunos fizessem um esboço", lembra. No quadro-negro, eles tentavam dividir a narrativa em quadros e criar os diálogos. Quando todos se familiarizaram com a tarefa, cada criança criou sua história e fez um esboço, em quatro quadros. "Todas as atividades propostas pela professora deram às crianças competência para produzir seus roteiros", avalia Maria José. O projeto, apesar de não ter sido o único em Português, teve grande influência na alfabetização da turma. "No final do ano, apenas dois alunos não estavam alfabetizados", festeja Cynthia. Os erros dos textos, ainda freqüentes, não foram corrigidos por ela. "A escrita só era melhorada até o ponto em que a criança tinha condições de chegar", explica Regina Scarpa, coordenadora pedagógica do Colégio Mopyatã. As melhores tiras, escolhidas em votação, foram publicadas no jornal bimestral da escola. As demais formaram um almanaque. Essa foi uma ótima forma de concluir o trabalho, na opinião de Maria José. "É importante que as crianças vejam suas criações publicadas em veículos típicos do gênero." Três jeitos de contar uma história Alunos conferem diferenças entre os quadrinhos, o livro e o teatro Assim que terminavam suas tarefas, os alunos da professora Silvana Vívolo, do Colégio Montessori Santa Terezinha, em São Paulo, tiravam um gibi da mochila e se divertiam com a leitura. Atenta a esse detalhe, Silvana resolveu incorporar o gosto da turma de 5a série a suas aulas de Português. Ela pediu que a classe lesse o livro Cuidado: Garoto Apaixonado (Toni Brandão, Melhoramentos, 11,40 reais, tel. 0_ _11-3874-0884). O trabalho que veio a seguir fascinou a turma. A narrativa foi transformada em quadrinhos, com a ajuda do programa Oficina do Livro (Iona, 47,20 reais na Dudes Shop, http://www.uol.com.br/dudes/info.htm). "Recomendei que evitassem as falas de narrador e tornassem os diálogos curtos como os dos gibis", explica Silvana. Antes que fosse ao laboratório de informática, porém, a professora levou a classe para ver uma peça de teatro baseada no mesmo livro. De acordo com Waldomiro Vergueiro, da USP, é importante oferecer aos alunos o contato com várias linguagens. "Eles percebem que uma mesma mensagem pode ser transmitida de diferentes maneiras e que não há uma mais nobre que a outra", conclui.