domingo, 10 de janeiro de 2010

INCLUSÃO 2

Romper com as velhas ideias
Durante séculos, o mundo tratou as crianças com deficiência como doentes que precisavam de atendimento médico, não de Educação. Essa perspectiva começou a mudar na década de 1950. Mas foi só nos anos 1990 que as velhas ideias assistenciais foram suplantadas pela tese da inclusão. Procurava-se garantir o acesso de todos à Educação. Documentos como a Declaração Mundial de Educação para Todos, de 1990, e a Declaração de Salamanca, de 1994, são marcos desse movimento.
O rompimento com práticas e conceitos antigos marcou também o início do trabalho de Hellen. Ela sabia que precisaria inovar se quisesse que Matheus aprendesse. E o primeiro desafio era mantê-lo em sala. Passei a iniciar as aulas do lado de fora. Todos os dias eu cantava, lia histórias ou sugeria alguma atividade que estimulasse a alfabetização ou outro aprendizado, lembra. Era uma forma de ensinar o conteúdo, promover a integração entre as crianças e atrair o Matheus para a classe.
Para lidar com as fugas repentinas para o bebedouro onde Matheus se acalmava mexendo na água, a professora ensinou-o a pedir para sair. Mostrava, a cada fuga, que ele podia bater com a caneca na carteira quando quisesse beber água. Um dia, ele bateu a caneca e permaneceu sentado, esperando a minha reação, conta a professora Hellen.
Percebi que ele tinha aprendido. Para a psicopedagoga Daniela Alonso, consultora na área de inclusão e selecionadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10, Hellen acertou em cheio: Pensar nas diferenças implica oferecer variadas intervenções. Os caminhos da inclusão para atender à diversidade costumam sempre beneficiar todos e melhorar a qualidade do ensino.
Antes de entrar na escola em que está até hoje, Matheus rodou por três outras sem se encontrar. Na primeira, particular, a direção não soube lidar com ele. A mãe, Lindinalva Santana, tentou uma escola especial, mas em pouco tempo concluiu que o filho não estava aprendendo. Partiu para a matrícula numa EMEI indicada pela fonoaudióloga que atende Matheus desde pequeno. Diante do histórico apresentado quando Matheus chegou à escola de Ensino Fundamental, Hellen imaginou que ele poderia ter aprendido alguma coisa. Eu o observava durante as aulas de leitura e o jeito como ele manuseava o livro, mexia a boca e colocava os dedos sobre as palavras e frases me fez perceber que ele sabia ler. Como o garoto não falava, Hellen encontrou um meio de testá-lo. Escrevi com letra bastão em tiras de papel o nome de dez objetos. Misturei todas e pedi que ele pegasse só a que correspondia ao objeto que eu citava. Na primeira tentativa, Matheus não prestou atenção e pegou qualquer palavra. Hellen insistiu e ele acertou. Achei que pudesse ser coincidência e continuei, inclusive com frases inteiras, e ele acertou tudo. Depois disso, não dei mais sossego para o Matheus, lembra a professora.
Daniela Alonso diz que descobrir as competências dos estudantes é o caminho. Antes, focávamos as dificuldades. O professor queria checar o que eles não sabiam, valorizando as diferenças pelas falhas. Hoje, devemos sondar o que cada um conhece para determinar como pode contribuir com o coletivo, explica. Matheus deixou para trás a trajetória errante na Educação Especial, seguindo o mesmo caminho das políticas públicas brasileiras.
O país apostou, em 2001, na inclusão. Nesse ano, começou a ser divulgada a lei aprovada em 1989 e regulamentada em 1999 que obrigava as escolas a aceitar as matrículas de crianças com necessidades especiais e transformava em crime a recusa a esse direito. Desde então, começou a aumentar o número de estudantes com deficiência nas salas regulares. De 81.344 naquele ano, ele saltou para 110.704 em 2002 e nunca mais parou de crescer. O Brasil, porém, estava ainda longe de assumir a inclusão como um fato consumado. As salas especiais eram muito mais numerosas, com 323.399 matrículas em 2001 e 337.897 em 2002.

O novo papel da Educação Especial
A nova política nacional para a Educação Especial é taxativa: todas as crianças e jovens com necessidades especiais devem estudar na escola regular. Desaparecem, portanto, as escolas e classes segregadas. O atendimento especializado continua existindo apenas no turno oposto.
É o que define o Decreto 6.571, de setembro de 2008. O prazo para que todos os municípios se ajustem às novas regras vai até o fim de 2010. O texto não acaba com as instituições especializadas no ensino dos que têm deficiência. Em lugar de substituir, elas passam a auxiliar a escola regular, firmando parcerias para oferecer atendimento especializado no contraturno. Na prática, muda radicalmente a função do docente dessa área.
Antes especialista em uma deficiência, ele agora precisa ter uma formação mais ampla. Ele deve elaborar um plano educacional especializado para cada estudante, com o objetivo de diminuir as barreiras específicas de todos eles, diz Maria Teresa Eglér Mantoan, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e uma das pioneiras nos estudos sobre inclusão no Brasil. Ensinar os conteúdos das disciplinas passa a ser tarefa do ensino regular, e o profissional da Educação Especial fica na sala de recursos para dar apoio com estratégias e recursos que facilitem a aprendizagem. É ele quem se certifica, ainda, de que os recursos que preparou estão sendo usados corretamente. Ele informa a escola sobre os materiais a serem adquiridos e busca parcerias externas para concretizar seu trabalho, afirma Maria Teresa.
A princípio, esse educador não precisa saber tudo sobre todas as deficiências. Vai se atualizar e aprender conforme o caso. Ele pode atuar na sala comum de longe, observando se o material está sendo corretamente usado, ou estender os recursos para toda a turma, ensinando a língua brasileira de sinais (Libras), por exemplo. Quem souber se adaptar não correrá o risco de perder espaço. O profissional maleável é bem-vindo, garante Maria Teresa.
O momento atual é de construção. De fato, a inclusão na sala de aula está sendo aprendida no dia a dia, com a experiência de cada professor. Mas não existe formação dissociada da prática. Estamos aprendendo ao fazer, avalia Cláudia Pereira Dutra, secretária de Educação Especial do Ministério da Educação (MEC).

INCLUSÃO 1

Os fundamentos das deficiências e síndromes
Conhecer o que afeta o seu aluno é o primeiro passo para criar estratégias que garantam a aprendizagem

Você sabe o que é síndrome de Rett, síndrome de Williams ou surdo-cegueira?


Para receber os alunos com necessidades educacionais especiais pela porta da frente, é preciso conhecer as características de cada síndrome ou deficiência.
O primeiro passo é entender as diferenças entre os dois termos.

Deficiência é um desenvolvimento insuficiente, em termos globais ou específicos, ou um déficit intelectual, físico, visual, auditivo ou múltiplo (quando atinge duas ou mais dessas áreas).

Síndrome é o nome que se dá a uma série de sinais e sintomas que, juntos, evidenciam uma condição particular. A síndrome de Down, por exemplo, engloba deficiência intelectual, baixo tônus muscular (hipotonia) e dificuldades na comunicação, além de outras características, que variam entre os atingidos por ela.

Se você leciona para alguém com diagnóstico que se encaixa nesse quadro, precisa saber que é possível ensiná-lo.

Conheça a seguir as definições e características das síndromes e deficiências mais frequentes na escola.


Deficiência física


• Definição: uma variedade de condições que afeta a mobilidade e a coordenação motora geral de membros ou da fala. Pode ser causada por lesões neurológicas, neuromusculares e ortopédicas, más-formações congênitas ou por condições adquiridas. Exemplos: amiotrofia espinhal (doença que causa fraqueza muscular), hidrocefalia (excesso do líquido que serve de proteção ao sistema nervoso central) e paralisia cerebral (desordem no sistema nervoso central), que exige dos professores cuidados específicos em sala de aula (leia mais a seguir).

• Características: são comuns as dificuldades no grafismo em função do comprometimento motor. Às vezes, o aprendizado é mais lento, mas, exceto nos casos de alteração na motricidade oral, a linguagem é adquirida sem problemas. Muitos precisam de cadeira de rodas ou muletas para se locomover. Outros apenas de apoios especiais e material escolar adaptado, como apontadores, suportes para lápis etc.

• Recomendações: a escola precisa ter elevadores ou rampas. Fique atento a cuidados do dia a dia, como a hora de ir ao banheiro. “Algum funcionário que tenha força deve acompanhar a criança”, explica Marília Costa Dias, professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, na capital paulista. Nos casos de hidrocefalia, é preciso observar sintomas como vômitos e dores de cabeça, que podem indicar problemas com a válvula implantada na cabeça.


PARALISIA CEREBRAL


• Definição: lesão no sistema nervoso central causada, na maioria das vezes, por uma falta de oxigênio no cérebro do bebê durante a gestação, ao nascer ou até dois anos após o parto. “Em 75% dos casos, a paralisia vem acompanhada de um dano intelectual”, acrescenta Alice Rosa Ramos, superintendente técnica da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), em São Paulo.

• Características: a principal é a espasticidade, um desequilíbrio na contenção muscular que causa tensão. Inclui dificuldades para caminhar, na coordenação motora, na força e no equilíbrio. Pode afetar a fala.

• Recomendações: para contornar as restrições de coordenação motora, use canetas e lápis mais grossos – uma espuma em volta deles presa com um elástico costuma resolver. Utilize folhas avulsas, mais fáceis de manusear que os cadernos. Escreva com letras grandes e peça que o aluno se sente na frente. É importante que a carteira seja inclinada. Se ele não consegue falar e não utiliza uma prancha própria de comunicação alternativa, providencie uma para ele com desenhos ou fotos por meio dos quais se estabelece a comunicação. Ela pode ser feita com papel cartão ou cartolina, em que são colados figuras pequenas, do mesmo material, e fotos que representem pessoas e coisas significativas, como os pais, os colegas da classe, o time de futebol, o abecedário e palavras-chave, como “sim”, “não”, “fome”, “sede”, “entrar”, “sair” etc. Para informar o que quer ou sente, o aluno aponta para as figuras e se comunica. Ele precisa de um cuidador para ir ao banheiro e, em alguns casos, para tomar lanche.